Estou velha para sair do armário?
A descoberta tardia da sexualidade traz calos, mas a decisão de viver a vida amorosa aliada a verdade é libertadora
Por Adriana Roque
Escrever sobre esse tema é também falar sobre mim. Antes se faz necessário contextualizar: chamaremos aqui de sexualidade tardia quando a pessoa que se entende bissexual ou lésbica já passou pela fase da adolescência, está na fase adulta e já manteve relação e/ou atração estável por um gênero.
Na minha história de vida, foram anos compreendendo meu corpo, meus afetos e por quem eu gostava de me sentir afetada. Não era uma menina tímida, porém, era muito fechada no que diz respeito às relações amorosas. Um conjunto de coisas contribuíram para isso: preconceito, falta de diálogo familiar, contexto da igreja e da escola que, por diversas vezes, é também LGBTfóbica.
Namorei meninos, fui casada com um homem e essas relações não foram forçadas, tediosas ou desinteressantes. Porém, em muitos momentos, dentro ou fora da relação, fui questionada se eu gostava também de mulheres. Aprendi que eu tinha que ser fiel aos meus relacionamentos e aprendi também que nunca poderia esconder de mim as minhas preferências sexuais.
Benefícios x malefícios

Eu, particularmente, nunca me compreendi hétero. Mas você não precisa “dar a carteirada” da sua sexualidade quando se relaciona com homens, pois as pessoas subentendem isso. Os malefícios podem ser muitos e não “sair do armário” em muitos casos é ter que lidar com uma frustração interna.
Se olhar no espelho e ficar confortável com quem se é, é, sem dúvida, o caminho de uma saúde emocional benéfica.
No entanto, há também inúmeros benefícios. Quando comecei a namorar uma mulher, eu já era independente emocional e financeiramente. Isso contribuiu para que eu lidasse melhor com o possível julgamento, principalmente familiar.
Cada pessoa tem seu processo, sua maneira e seu caminho. Não existe somente uma possibilidade, jeito ou trilha para destrancar a porta e dar oi ao mundo lá fora. Sair deste lugar, se olhar no espelho e ficar confortável com quem se é, é, sem dúvida, o caminho de uma saúde emocional benéfica.
A chef de cozinha Renata Diniz, 46, começou a se relacionar com mulheres muito cedo. Com oito anos, deu seu primeiro beijo na filha de uma amiga da mãe. Aos 15, aconteceu a primeira experiência sexual com uma amiga da escola e aos 18, com um menino. “Foi um momento conflituoso para mim, até porque eu mesma não aceitava ser bissexual. Na minha cabeça eu era completamente lésbica, mas descobri a bissexualidade aos 45 anos”, conta.

O momento de se entender lésbica para Renata Aline, 39, foi bem difícil. A administradora começou a se relacionar com mulheres aos 19 anos, mas só se assumiu aos 36. “Existia uma lésbica no bairro com o estereótipo bem masculinizado e, por isso, eu não queria ser lésbica, porque eu entendia que seria do jeito dela. Tentei três vezes ter essas relações, mas saía pior, sem saber o que eu era de verdade”, completa. Experimentar a liberdade de ser lésbica mais tarde e com mais maturidade proporcionou muitos benefícios para Renata Aline.
Sendo eu mulher, bissexual e psicóloga, observo que a saída do armário tardia pode trazer malefícios como não poder vivenciar sua sexualidade da forma como acontece com pessoas que se identificam com a heterossexualidade. É abrir espaço para desenvolver transtornos e compulsões diversas. Viver uma vida que não é a que faz sentido é danosa para a saúde emocional das pessoas.
No entanto, não há tempo certo para isso acontecer. Cada pessoa precisa respeitar seu momento, pois há várias questões envolvidas que nos impedem de viver como desejamos. O ponto aqui é mostrar que há benefícios em se descobrir tardiamente e que é normal também entrar em conflitos. Se esse for o seu caso ou se estiver passando por essa descoberta aos 30, 40, 50, 60 anos, apenas respeite o seu tempo.
Fotos: Mayara Laila