Revista Lésbi

Para mulheres que se relacionam com mulheres

Carta à leitora

2ª Edição

Sempre pensei na Lésbi como ponto de partida em que é sempre possível ir além. Não me refiro apenas à inspiração para novos projetos, mas a alguns caminhos nos quais meus desejos falam um pouco mais alto, como conhecimento, experiência e troca. 

A Lésbi se tornou mais uma parte deste fio que nos conecta. Pouco mais de cinco meses separam as duas edições. Durante este breve hiato, em que há muito mais a fazer do que quando de fato temos a revista em mãos, investi diária e carinhosamente o meu tempo para que mais pessoas tivessem acesso ao nosso conteúdo. Enviei exemplares para todas as regiões do Brasil. Apesar da timidez, participei de lives e tentei me conectar a todes que quiseram somar com este trabalho.

Não existe Ana sem a Lésbi mais. A Lésbi me trouxe um sentido imenso e bastante aprendizado. Percebi que é preciso haver sintonia com nosso trabalho, mas, sobretudo, acreditar no que se faz. Se manter firme é necessário, mesmo que você se esmoreça, vez outra. Caso aconteça, é importante lembrar da faísca que se acendeu e te levou a construir seu projeto. E, por último, aceitar que todo ciclo tem seu fim.

A Lésbi é viabilizada pela Lei de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte. Quando pensamos o projeto, a vontade era de mais, porém, com o recurso disponibilizado, foi possível trabalhar apenas com duas edições. Lançar a segunda publicação é parte de um fim necessário, mas não é uma despedida. Hoje, tenho a certeza de que logo estaremos conectadas novamente, porque a chama continua acesa. Envio por aqui meu agradecimento a todas que viveram esse ano comigo e também a vocês que nos leram e nos acompanharam neste caminho.

Para marcar: hoje, dia 3 de novembro, saiu a sentença de Mariana Ferrer: estupro culposo.

Ana Luiza Gonçalves 

Editora


1ª Edição

Oito e meia da noite: meus vizinhos batem panela. Não entendo bem o que estão gritando. Vocês entendem? Está tudo confuso aqui do meu sofá. Minhas gatas me olham distantes – será que sacaram o isolamento social? Será que também sentem medo? Será que não suportam minha presença vinte e quatro horas neste espaço? Que pancada. Estou perdendo a referência do tempo. Que dia é hoje? Quantas horas se passaram desde que começamos a conversar? 

Estou tentando me entender com o tempo. Há poucos dias entrávamos em quarentena e também completávamos dois anos sem Marielle Franco. Parece mais. Por que ninguém nos responde? Nos escondem dados oficiais – quantas pessoas perdemos? Nos escondem nomes – quem mandou matar? Nos escondem nossos direitos – como sobreviveremos? 

Sinto uma vontade enorme de dar de maluca. Olhar nos olhos das pessoas. Saber por que ninguém nos responde. Quem sabe abraçar a vida – já pensou nisso? Nesse instante, a Lésbi me traz uma nova percepção dos dias. Detalhes que vou buscando em cada texto, novidades que me chegam aos olhos como se nunca. E nunca mesmo eu pensei que teria coragem para destrinchar o silêncio e transformá-lo em muitas vozes. Agora sei, estou inteira nessa revista: mente, corpo e espírito. 

A Lésbi chegou pelo caminho feito por mim e por muitas mulheres que estão ao meu lado. Chegou também pelas que não estão cara a cara, mas pelas telas. Chegou pela intuição que me gritou de madrugada: não abandone aquele projeto. Chegou por cada uma que está aqui comigo. A Lésbi é a força e a potência que só mulheres que se relacionam com mulheres têm. E ela fica pela nossa existência e porque não vamos mais nos contentar com o silêncio.

 

Ana Luiza Gonçalves

Editora