Usem a língua
Saiba quais expressões do vocabulário lesbi ofendem e quais ganharam novos sentidos pela militância
Por Helen Castro
O amor entre mulheres é tão antigo quanto a própria humanidade, e ao longo dos séculos vários adjetivos foram utilizados para nomeá-las. Mulheres que se relacionam sexual e afetivamente de maneira exclusiva com mulheres são chamadas de lésbicas, palavra que vem do latim lesbius e originalmente faz referência aos habitantes da ilha de Lesbos, na Grécia, onde viveu a poeta Safo, muito admirada por seus poemas sobre beleza e amor direcionados a mulheres.
A bissexualidade se refere a pessoas que se relacionam afetiva e sexualmente com homens e mulheres, mas nem sempre foi assim. Historicamente, a palavra bissexual teve três significados: o primeiro, utilizado entre os séculos XVII e XX para designar intersexuais, o segundo, utilizado na psicanálise ao final do século XIX e no século XX para se referir a pessoas com uma suposta combinação de masculinidade e feminilidade psicológica, e, por fim, o terceiro, criado em 1869, para indicar o desejo sexual que “combina” ou “une” a heterossexualidade e a homossexualidade.
Ao longo da história, além desses nomes, foram surgindo no linguajar popular dentro e fora da comunidade LGBT outros adjetivos, alguns deles bastante pejorativos. A bacharel em Direito Marilia Martinez, conta que antes mesmo de ter consciência de sua lesbianidade, foi chamada de macho-fêmea e Maria João, por não performar feminilidade desde jovem. “Por jogar futebol e não vestir roupas tidas como femininas, as pessoas, no intuito de me ofender, me chamavam de Maria João ou Maria Homem.
Essas palavras me afetaram bastante, porque fazia com que eu me sentisse diferente das outras meninas. Eu não entendia o que estava acontecendo, mas doía”, desabafa.
Termos como Maria Homem, Maria João, Maria Macho, mulher “machuda” e até mesmo machorra são usados para mulheres que fogem da norma “feminina”, tanto no jeito de se vestir e agir quanto pelo fato de se relacionarem com outras mulheres, comparando-as a homens incompletos ou que desejam ser homens.
Durante sua vida, a assessora Gabriele Cristine já foi chamada de “machuda” e homenzinho, inclusive por seus familiares, justamente por amar mulheres e não ser considerada “feminina”. A assessora, que é lésbica, relata que encara como violência ser chamada dessa e de outras maneiras.
Ressignificando os termos
Até o século XIX, muitos termos pejorativos, como urningismo e tribadismo, foram utilizados para dar nome àquelas que amavam mulheres. Porém assim com essas, outras expressões foram sendo ressignificadas pela comunidade lesbi. Esse é o caso também de “Sapatão”, criado nos anos 1970 para se referir a algumas lésbicas que preferiam calçados masculinos no lugar dos delicados sapatos femininos e, posteriormente, utilizado como xingamento. Hoje, além de sapatão ser utilizado pelas próprias lésbicas, o termo ganhou variações, como sapatona.
A analista de importação assumidamente bissexual, Cristiane Batista, acredita que alguns nomes e apelidos podem e devem ser ressignificados pela comunidade lésbica e bissexual, mas ressalta que muitos deles devem ser utilizados apenas pelos próprios LGBTs, pois ser chamada de sapatão por uma pessoa heterossexual além de não fazer sentido, ainda é violento.
Só porque uma pessoa heterossexual se considera “simpatizante” (LGBT-friendly) ela não tem propriedade pra chamar uma mulher lésbica de racha, bofinha, sapatão, caminhoneira, etc.
Mulheres lésbicas, em especial, as negras que não performam feminilidade eram chamadas de forma ofensiva de caminhoneiras. Com a ressignificação o termo caminhoneira, e também caminhão, passou a representar não uma masculinidade incompleta feminina como no passado, mas, sim, a feminilidade fora da norma vivida por lésbicas e bissexuais. Elas não são homens, não querem e nem devem ser tratadas e comparadas como tal.
Fora da militância, muitas lésbicas não feminilizadas (caminhoneiras) são chamadas de bofinha/bofe, que, apesar de antigo, ainda é amplamente utilizado por mulheres lésbicas periféricas e sem contato com feminismo ou teoria Queer. Este termo se equipara ao “butch”, utilizado nos EUA, enquanto o termo “femme” tem a mesma definição de “lady” (lésbica que performa feminilidade) no Brasil.
Marilia, explica que só porque uma pessoa heterossexual se considera “simpatizante” (LGBT-friendly) ela não tem propriedade para chamar uma mulher lésbica de bofinha, sapatão, caminhoneira, etc. É preciso ser parte da comunidade para os termos não soarem ofensivos.
O vocabulário lésbico e bissexual é vasto, assim como a história da comunidade. Entretanto, é importante observar quais termos são ofensivos. Aqui vai uma dica muito simples: pergunte à pessoa como ela gostaria de ser chamada e, na dúvida, chame-a pelo nome.