“Os monossexuais que lutem!”
A importância da visibilidade daquilo que não é um convite, promiscuidade ou só uma fase: o mês da visibilidade bissexual
Por Adriana Roque
A bissexualidade é presente desde que o mundo é mundo, quando ainda não existiam nomeações para o sexo feminino e masculino e não havia regras sobre corpos alheios ou a heteronormatividade dizendo quem você deve ser ou onde deve estar. A sexualidade tende a ser fluida, dinâmica e sem cercas, porém aprendemos exatamente o oposto: que devemos reprimir as sensações, as atrações e os desejos, caso ele não esteja alinhado com o que o ocidente hoje impõe.
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As sexulidades monodissidentes (bissexualidade, pansexualidade e polissexualidade) desestabilizam uma concepção binária de mundo e por isso são ameaçadoras.
Sair do armário é difícil para todos da comunidade LGBTQIA+. Porém para as pessoas bissexuais isso parece ser um movimento constante e, muitas vezes, exaustivo. Identificar e assumir a bissexualidade é motivo de diversos questionamentos, seja dentro da família ou dentro do movimento. Ainda há muita opressão contra pessoas que gostam de dois gêneros, sem comparações e sem, necessariamente, preferências.
Para a publicitária e mestranda em Comunicação Nana Miranda (foto), o monossexismo é a principal razão da dificuldade de entendimento da bissexualidade, pois existe uma crença social de que a heterossexualidade, a homossexualidade e a lesbianidade são mais legítimas e, por isso, mais importantes. “Uma sociedade monossexista presume que todo mundo é monossexual e o que está fora desse padrão é um desvio, que deve ser rechaçado. As sexulidades monodissidentes (bissexualidade, pansexualidade e polissexualidade) desestabilizam uma concepção binária de mundo e por isso são ameaçadoras”, conta.
Uma das formas de visibilizar mulheres bissexuais é não reproduzir os diversos questionamentos comumentes feitos a elas. Elizabeth Sara Lewis (foto), professora de Linguística, da Escola de Letras, da UNIRIO, ressalta que algumas ideias correntes sobre a bissexualidade são complicadas por resultarem em estereótipos nocivos, como a ideia de que a bissexualidade é só uma fase, que é uma mistura de homo e heterossexualidade em vez de uma sexualidade em si, que toda pessoa bissexual precisa sempre ter relações sexuais com homens e mulheres para ficar satisfeita ou é portadora de doenças e por aí vai. “Acho que a melhor maneira de combater esses estereótipos é visibilizar diversas narrativas sobre como viver a bissexualidade para mostrar que não existe uma maneira certa de ser bi. Mostrar que existem infinitas formas de ser bissexual, pode ajudar a combater essa ideia da bissexualidade ser uma questão de “50/50”, metade homo, metade hétero”, completa.
Para nós, bissexuais, termos a nossa sexualidade questionada é tão comum como se alimentar ou vestir uma roupa. Mas a roupa a gente escolhe. Os questionamentos não. Se somos mulheres bissexuais que não performam feminilidade, perguntam se somos sapatão caminhoneira. Se somos femininas, querem saber se queremos somente passar um tempo com mulheres. Se somos trans, não há cabeça mergulhada na heteronormatividade que dê conta de compreender. Se somos femme e estamos num relacionamento com uma caminhão, é porque queremos um homem ou que, em breve, vamos trocá-la para estar com um. E para completar, esperam que bissexuais nasçam com a carteirinha de não-monogâmicas.
Temos que nos esforçar para que essa visibilização não seja limitada ao dia/semana/mês da visibilidade de certa categoria e depois esquecida
Tanto para Nana quanto para a Elizabeth a hipesexualização e a supersexualização são os maiores desafios para mulheres bissexuais. “Para escapar dessa erotização e validar sua sexualidade é comum que mulheres bissexuais construam uma outra imagem, que muitas vezes passa por uma ideia higienizadora e até moralista sobre o que é ser uma “boa” ou “má” mulher bissexual. Não pode ter determinadas atitudes para não reforçar esse estereótipo. Não acho que isso seja benéfico, porque impacta na própria luta pela liberdade e quebra de padrões”, relata Nana.
Segundo Elizabeth, por causa dessa hipersexualização, muitos homens héteros vão tratar mulheres bi como objetos eróticos, sonhando com a possibilidade de fazer um sexo com duas mulheres, e muitas mulheres lésbicas não vão querer sair com mulheres bi, por medo de traição e/ou doenças. “Ao mesmo tempo, quando tentamos combater essa hipersexualização, não devemos simplesmente insistir na capacidade das pessoas bi de serem monogâmicas, pois isso pode resultar na estigmatização de quem de fato, legitimamente, prefere relações abertas ou livres etc.”, aponta.
Mês da Visibilidade
O dia 23 de setembro de 1999 foi cunhado por Gigi Raven Wilbur, Wendy Curry e Michael Page, ativistas estadunidenses da causa bi. Mas durante todo o mês de setembro pautas sobre bissexualidade são discutidas para dar mais foco à existência bi, debater sobre a saúde deste recorte, nomear as opressões, falar sobre as próprias vivências. O mês também fomenta o debate monossexual do qual a sociedade se ancora. Apesar dos preconceitos existentes, gays e lésbicas ainda são mais compreendidos do que bissexuais.
Para Elizabeth, há bastante tempo a bissexualidade tem sido invisibilizada e a ideia de fazer um mês inteiro de ações é genial e pode contribuir para colocar o assunto no mesmo patamar da visibilidade lésbica, celebrado em agosto. “Esta visibilização é importante para combater certos estereótipos e preconceitos sobre a bissexualidade, além de disponibilizar informações e facilitar trocas de experiências. Mas, com isso dito, temos que nos esforçar para que essa visibilização não seja limitada ao dia/semana/mês da visibilidade de certa categoria para depois ser esquecida. Precisamos lutar sempre por nossas pautas, de preferência em coalizão com diversos grupos, e não deixar a sociedade se esquecer de nós durante o resto do ano”, reforça.
Avanços
A capacidade de falar por si é um dos avanços que Nana Miranda aponta dentro da comunidade bi, assim como a criação várias organizações políticas, como o Coletivo Brasileiro de Bissexuais (CBB), o Bi-sides e o MovBi (que se tornou a primeira ONG de bissexuais do Brasil), que mostram a resistência do ativismo. “A possibilidade de pautar as especificidades das pessoas bissexuais de forma mais aberta e visível, também se dá a partir da articulação desses grupos. Eu acredito que a luta pelo reconhecimento da bifobia travada por esses coletivos é um legado muito importante, que contribui para o avanço do movimento”, completa.
O mesmo aponta Elizabeth em relação à organização de coletivos e ainda ressalta que com a internet há mais facilidade de comunicação. “Eu nunca tive esse tipo de oportunidade quando eu era mais jovem. Estou falando da importância desses grupos para pessoas bissexuais, mas também quero deixar claro que acho que separatismo (tirar o B do movimento LGBTQIA+) não é a solução. No entanto, é interessante ter espaços focados nas pautas bissexuais, para trocar ideias, experiências, preocupações e dúvidas, para nos organizarmos melhor antes de atuar em conjunto com o resto do movimento e fazer coalizões com outros movimentos”, conta.
Elizabeth finaliza dizendo que bissexuais cis e trans enfrentarão muitos desafios em comum, mas que haverá outros específicos na intersecção da bissexualidade e da transexualidade ou travestilidade. “Vou aproveitar para lembrar a importância de lutar juntas com nossas irmãs trans e travestis, que estão sofrendo um verdadeiro genocídio neste país, com uma expectativa de vida que é menos da metade daquela das mulheres cis”, ressalta.
Leia as entrevistas com Nana Miranda e Elizabeth Sara Lewis.
Nana Miranda
Publicitária – Mestranda em Comunicação Social
O mês da visibilidade bi é importante. Por quê?
A data é importante para dar visibilidade às experiências e demandas das pessoas bissexuais e denunciar as violências sofridas tanto nos espaços LGBTQIA+ quanto nos espaços heterossexuais.
Quando o termo bissexual foi criado?
O termo já teve alguns significados diferentes do que conhecemos hoje. Há registro que entre os séculos XVII e XX ele foi usado para designar pessoas hermafroditas (atualmente chamadas de intersexo). Somente a partir do século XX, o termo passou a dizer respeito a pessoas que sentem atração afetivo-sexual por mais de um gênero, mas ainda não era encarada como uma sexualidade plena. Nessa época a bissexualidade era vista como um estágio transitório, um pré-sexualidade onde as pessoas posteriormente se decidiram pela homossexualidade ou hetererossexualidade. Freud, por exemplo pensava que os sujeitos eram essencialmente “bissexuais” e ao amadurecer a sexualidade, desenvolveriam atração específica por um gênero ou outro.
Como você avalia a bissexualidade dentro da comunidade LBGTQI+?
Com a herança do pensamento científico de que a bissexualidade era fase imatura, essas pessoas eram consideradas indecisas ou enrustidas pelo movimento. Para lutar contra o esse apagamento, bissexuais se articularam para reivindicar o reconhecimento da categoria bissexual como uma identidade, justamente porque havia uma insatisfação dentro do movimento gay e lésbico. No Brasil, por conta da epidemia de AIDS, que aconteceu na década de 80, pessoas bissexuais foram acusadas de fazer uma ponte de HIV entre o “mundo homessexual” e o “mundo heteressexual”, sendo tratadas como vetor de IST’s. Infelizmente, este ainda é um pensamento que permeia o imaginário das pessoas.
O que você percebe que pode acabar dificultando o entendimento sobre a bissexualidade ?
Monossexismo. Existe uma crença social que as monossexualidades (heterossexualidade, homossexualidade, lesbianidade), são mais legítimas e por isso mais importantes. Uma sociedade monossexista presume que todo mundo é monossexual e o que está fora desse padrão é um desvio, que deve ser rechaçado. As sexulidades monodissidentes (bissexualidade, pansexualidade e polissexualidade) desestabilizam uma concepção de binária de mundo e por isso são ameaçadoras. Além disso existe uma negação da existência da bifobia, por parte das pessoas monossexuais. Ao dizer que eventualmente a violência sofrida por bissexuais é homofobia ou lesbofobia é negar a própria existência dessas pessoas. Isso precisa ser combatido.
Algumas pessoas relatam que a bissexualidade não é forte o suficiente, porque não existe algo que a identifique, como no caso da lesbianidade, o símbolo do caminhão ou vocabulário desse universo, ou para gays, existe a bandeira (muito usada) e também um vocabulário particular. Como você avalia isso?
Eu acho que legitimar uma sexualidade a partir apenas da representação de uma simbologia ou linguagem é empobrecedor e limitante. A bissexualidade deve ser reconhecida por todas as suas potencialidades e pluralidades. Ademais, em 1999, foi criada uma bandeira para representar a bissexualidade e é usada até os dias hoje.
Quais avanços você observa que tivemos em relação a comunidade Bi?
Capacidade de falar por si. A criação várias organizações políticas como o Coletivo Brasileiro de Bissexuais (CBB), o coletivo Bi-sides, e o coletivo MovBi (que se tornou a primeira ONG de bissexuais do Brasil), mostram a resistência do ativismo bissexual. A possibilidade de pautar as especificidades das pessoas bissexuais de forma mais aberta e visível, também se dá a partir da articulação desses grupos. Eu acredito que a luta pelo reconhecimento da bifobia travada por esses coletivos é um legado muito importante, que contribui para o avanço do movimento.
Antigamente, aqui no Brasil nos anos 1980, víamos mais homens que se definiam enquanto bi, como Cazuza e Renato Russo. Porém, atualmente temos mulheres se compreendendo como bissexuais. Você acha que o movimento feminista contribuiu para que as mulheres compreendessem mais sobre a sua sexualidade?
No final dos anos 1980, aconteceu uma epidemia de AIDS, que foi associada aos gays e trouxe novos estigmas e estereótipos as pessoas LBGTQIA+. Eu acredito que depois desse período as pessoas da comunidade tenham tentado escapar desses estigmas e isso pode ter refletido na visibilidade masculina. Sem dúvida, o fôlego que os movimentos feministas contemporâneos tomaram nos últimos anos contribuiu para a compreensão da sexualidade e enfrentamento do apagamento bissexual. É muito frequente, que as mulheres encabecem discussões e sejam uma força motora em movimentos sociais. Por causa disso, acredito que as mulheres tenham mais visibilidade atualmente.
Na sua avaliação, quais são os desafios para as mulheres trans ou cis, bissexuais no contexto atual?
Lidar com a super-sexualização sem precisar acionar um discurso conservador. Um estereótipo associado às mulheres é o de promiscuidade e por isso frequentemente são fetichizadas, como se estivessem disponíveis para um ménage à trois o tempo todo. Para escapar dessa erotização e validar sua sexualidade é comum que mulheres bissexuais construam uma outra imagem, que muitas vezes passa por uma ideia higienizadora e até moralista sobre o que é ser uma “boa” ou “má” mulher bissexual. Não pode ter determinadas atitudes para não reforçar esse estereótipo. Não acho que isso seja benéfico, porque impacta na própria luta pela liberdade e quebra de padrões. Esse estigma não é problema nosso. Os monossexuais, que lutem!
Pode-nos contar como foi a sua descoberta enquanto uma mulher bissexual?
Me descobri bi tardiamente. Ao contrário de muitos LGBTQIA+, não me recordo de ter minha sexualidade manifestada desde a infância ou adolescência. Meus desejos apareceram já adulta e acho que por isso as coisas aconteceram de forma mais madura e menos dolorosa. Hoje percebo o quanto os estereótipos relacionados a bissexualidade foram uma barreira para o reconhecimento da minha identidade sexual. A primeira garota que eu beijei, foi uma colega de faculdade. Estávamos numa balada e nos beijamos numa brincadeira. Aconteceu mais algumas vezes, mas não cheguei a refletir muito a respeito. Anos depois, comecei a questionar se minha admiração por mulheres não era um reflexo da minha aproximação com o movimento feminista, que me ajudou a desconstruir a ideia de competição feminina. Os beijos em festas passaram a ficar cada vez mais frequentes, mas o receio de virar a “bi de balada” era grande. Eu ficava desconfortável com o discurso que circulava nas redes de mulheres lésbicas criticando esse comportamento. Me culpava por naquele momento não me sentir capaz de me envolver afetivamente com outras mulheres. Até que me apaixonei por uma colega de trabalho. Começamos a nos relacionar e ficamos assim por poucos meses. Por algum tempo eu ainda não achava que era uma bisexual legítima, porque tinha a imagem da bissexualidade como metade metade lésbica e metade hétero eu ainda ficava majoritariamente com homens. Com tempo entendi a fluidez dos meus desejos. O momento de “bi de balada” fez parte das minhas experimentações e foi importante para o desenvolvimento da minha sexualidade. Meu corpo e os meus desejos não estão mais disponíveis para a regulação alheia. Me relaciono com quem eu quiser, quando quiser e se eu quiser, e não vai ser ninguém que vai limitar minha autonomia.
Elizabeth Sara Lewis
Professora de Linguística, Escola de Letras, UNIRIO
Autora da dissertação “Não é uma fase”: construções identitárias em narrativas de ativistas LGBT que se identificam como bissexuais (2012)
O mês da visibilidade bi é importante. Por quê?
Durante bastante tempo, a bissexualidade tem sido muito invisibilizada, talvez a letra mais invisibilizada da sigla LGBT. O Dia da Visibilidade Bissexual existe desde 1999, mas a ideia de fazer um mês inteiro de ações é genial e pode contribuir para nos colocar no mesmo patamar que o mês da visibilidade lésbica. Esta visibilização é importante para combater certos estereótipos e preconceitos sobre a bissexualidade. Também, vejo muitas pessoas jovens perguntando “Será que sou bi?”, “Eu posso ser bi se ____?”, então a visibilização é importante para disponibilizar informações sobre a bissexualidade, facilitar trocas de experiências etc. Mas, com isso dito, temos que nos esforçar para que essa visibilização não seja limitada ao dia/semana/mês da visibilidade de certa categoria e depois esquecida. Precisamos lutar sempre por nossas pautas, de preferência em coalizão com diversos grupos, e não deixar a sociedade se esquecer de nós durante o resto do ano.
Quando o termo Bissexual foi criado?
Em português não tenho certeza absoluta, mas na Europa no século XVII, o termo “bissexual” aparecia em textos médicos, jurídicos e teológicos em outras línguas para indicar uma suposta “ambiguidade do corpo e da alma”, ou seja, era sinônimo de “hermafrodita” ou quem hoje chamamos de “intersexual”. A primeira vez que o termo foi usado para falar da sexualidade, e não da identidade de gênero, foi na 7a edição (1892) do livro Psychopathia Sexualis, de Richard von Krafft-Ebing; porém, nesse livro o termo tinha conotações patologizantes. Foi somente a partir dos anos 1960, com o crescente ativismo LGBT, que começou a entrar no uso comum e ser empregado como termo identitário. Como sempre gosto de enfatizar, embora nos pareçam tão atemporais, categorias como “bissexual”, “homossexual” etc. são maneiras bastante recentes para descrever a sexualidade e as subjetividades.
Como você avalia a bissexualidade dentro da comunidade LBGTQIA+?
Como avalio a bissexualidade? Ela é maravilhosa! [risos] Mas acho que a pergunta é mais sobre a relação do B com as outras letras da sigla, certo? Então, acho que a primeira questão é que temos que problematizar essa ideia de “comunidade”. Parece dado que, por sermos diferentes da norma cisheterossexual, fazemos parte de uma comunidade. Mas, na verdade, existem várias tensões dentro desta “comunidade imaginada”. As pessoas bi continuam ouvindo, com frequência, que sua sexualidade é “só uma fase”, por exemplo. Precisamos falar mais, entre nós, sobre nossas experiências e diferenças; construir ativamente essa comunidade em vez de achar que ela existe de maneira automática. Acho que é só valorizando as diferenças entre nós que conseguiremos lutar para a sociedade mais ampla valorizá-las também.
O que você percebe que pode acabar dificultando o entendimento sobre a bissexualidade ?
Primeiro, temos que lembrar que a bissexualidade significa coisas diferentes para pessoas (bissexuais) diferentes; neste sentido, não existe um entendimento ‘certo’ da bissexualidade. Mas, com isso dito, existem algumas ideias correntes sobre a bissexualidade que são complicadas por resultarem em estereótipos nocivos. Por exemplo, a ideia que a bissexualidade é só uma fase, que é uma mistura de homo- e heterossexualidade em vez de uma sexualidade em si, que toda pessoa bissexual precisa sempre ter relações sexuais com homens e mulheres para ficar satisfeita, que toda pessoa bissexual é portadora de doenças… Acho que a melhor maneira de combater esses estereótipos é visibilizar diversas narrativas sobre como viver a bissexualidade, para mostrar que não existe uma maneira certa de ser bi. Como falei antes, vejo algumas pessoas perguntando “Eu posso ser bi se ____?”. Se mostrarmos que existem infinitas maneiras de ser bissexual, pode ajudar a combater essa ideia da bissexualidade ser uma questão de “50/50”, “metade homo, metade hétero”. E pode mostrar que, apesar dos estereótipos, não tem problema nenhum em ser uma pessoa bi e “promíscua”, da mesma maneira que não tem problema nenhum em ser bi e monogâmica. Por fim, isso de falar mais sobre as diversas experiências da bissexualidade também pode contribuir para entender melhor as relações, sobreposições e diferenças entre a bissexualidade, pansexualidade e omnissexualidade.
Algumas pessoas relatam que a bissexualidade não é forte o suficiente, porque não existe algo que a identifique, como: no caso da lesbianidade, o símbolo do caminhão ou vocabulário desse universo, ou para gays, existe a bandeira (muito usada) e também um vocabulário particular. Como você avalia isso?
Então, essa pergunta é engraçada. Primeiro, existem sim símbolos para pessoas bissexuais que quiserem se identificar visualmente desta maneira. Já que a pergunta mencionou a “bandeira gay”, podemos usar como exemplo a bandeira rosa, roxo e azul do orgulho bissexual. Tem também os símbolos dos triângulos sobrepostos com essas mesmas cores, as luas duplas, o unicórnio… Segundo, sobre a falta de um vocabulário específico bissexual, na verdade não existe um vocabulário específico que seja unicamente gay ou lésbico. Existem gírias que muitas pessoas nesses grupos usam, sim; mas, linguisticamente falando, é impossível restringir certas expressões a certos grupos. Certos vocábulos inicialmente usados predominantemente por pessoas homossexuais têm entrado no uso comum.
Mas, na verdade, quando as pessoas falam da dificuldade em identificar a bissexualidade, acho que não estão falando de uma suposta falta de símbolos ou gírias. Estão falando de como não existe, atualmente, um “visual” físico bissexual (tipos de roupa, cortes de cabelo e outras estilizações corporais) que permita identificar rapidamente alguém como sendo uma pessoa bi. Assim, na verdade estão mostrando que não existe um estereótipo físico para identificar uma pessoa bissexual, à diferença de certas categorias de pessoas gays e lésbicas que têm um visual mais facilmente reconhecível (como é o caso da “caminhoneira”, embora não toda lésbica tenha esse visual e embora não toda mulher com essa estilização corporal seja lésbica). Mas isso só revela o problema de fundo: não dá para identificar todo mundo que é gay, lésbica etc. por causa de como se veste e como corta o cabelo. Essa ideia que é possível “saber” a sexualidade de alguém só olhando para a pessoa é uma falácia; pertencimento a categorias como “bissexual”, “lésbica”, “gay” etc. é uma questão de auto-identificação.
Quais avanços você observa que tivemos em relação à comunidade Bi?
Quando eu era mais jovem, eu me envolvi nos movimentos LGBT em diversos lugares, achando que ia ser “meu” lugar, já que em teoria minha sexualidade era incluída na sigla. Mas acabei não sempre me sentindo muito à vontade, por causa de alguns preconceitos que existem sobre pessoas bissexuais dentro dos movimentos LGBT. Na época, nos lugares onde eu morava, não achei grupos especificamente para pessoas bissexuais. Hoje em dia, vejo mais pessoas bi se organizando em coletivos. A internet tem ajudado com isso; faço parte de um grupo para pessoas bissexuais no Facebook, por exemplo, e nesse grupo vejo muitas pessoas jovens trocando experiências, dúvidas, preocupações… Eu nunca tive esse tipo de oportunidade quando eu era mais jovem. Estou falando da importância desses grupos para pessoas bissexuais, mas também quero deixar claro que acho que separatismo (tirar o B do movimento LGBTQI+) não é a solução. No entanto, é interessante ter espaços focados nas pautas bissexuais, espaços para trocar ideias, experiências e dúvidas, para nos organizarmos melhor antes de atuar em conjunto com o resto do movimento e fazer coalizões com outros movimentos.
Antigamente, aqui no Brasil nos anos 1980, víamos mais homens que se definiam enquanto bi, como Cazuza e Renato Russo. Porém, atualmente temos mulheres se compreendendo enquanto Bissexuais. Você acha que o movimento feminista contribuiu para que as mulheres compreendessem mais sobre a sua sexualidade?
Com certeza os movimentos feministas ajudaram muitas mulheres, inclusive as bissexuais, a compreender melhor sua sexualidade. Os movimentos LGBTQIA+ também. Mas, no caso da bissexualidade, também tem a questão de diferentes tipos de estigma que afetam cada identidade de gênero de maneiras diferentes. É impossível medir quem sofre mais estigmatização, pois depende do contexto, mas digamos que, em certas situações, ser mulher bi pode ser mais aceito do que ser homem bi (embora muitas vezes essa “aceitação” seja vinculada a muitos estereótipos nocivos); talvez isso explique, em parte, porque aparentemente tem mais mulheres que se identificam como bissexuais do que homens, hoje em dia. Por exemplo, digamos que estamos em um bar ou boate para o público geral (ou seja, não voltado especificamente para o público LGBTQIA+). Uma mulher que se identifica publicamente como bissexual neste ambiente pode sofrer assédio da parte dos homens heterossexuais presentes por causa de estereótipos esquisitos, por exemplo, ser vista como um objeto erótico por causa do sonho heteronormativo do ménage com duas mulheres. O homem bissexual, por outro lado, na mesma situação, pode ter maior probabilidade de sofrer uma agressão física da parte dos homens heterossexuais presentes, por ser visto como uma “ameaça” em vez de como uma possibilidade erótica.
Na sua avaliação quais são os desafios para as mulheres trans ou cis bissexuais no contexto atual?
Bom, eu sou mulher cisgênera, então acho que para falar das especificidades de ser bissexual e trans é melhor perguntar para uma menina bi trans. Com certeza teremos muitos desafios em comum, mas também haverá outros desafios específicos na intersecção da bissexualidade e da transexualidade ou travestilidade. E vou aproveitar para lembrar a importância de lutar juntas com nossas irmãs trans e travestis, que estão sofrendo um verdadeiro genocídio neste país, com uma expectativa de vida que é menos da metade daquela das mulheres cis.
Mas sobre os desafios que eu passo enquanto mulher bi e cis (e que muitas outras mulheres cis e trans também devem passar, imagino), é o que tenho chamado em algumas publicações de supersexualização ou hipersexualização da bissexualidade. Isso envolve diversos discursos e estereótipos que mencionei antes: a ideia que a mulher bissexual seria impossível de satisfazer sexualmente; que ela sempre precisaria estar com homens e mulheres e, portanto, sempre vai “trair” seu/sua parceiro/a se estiver num relacionamento monogâmico; que ela teria mais probabilidade de ter doenças… Então, por causa dessa hipersexualização, muitos homens héteros vão tratar mulheres bi como objetos eróticos, sonhando com a possibilidade de fazer um ménage com duas mulheres. E muitas mulheres lésbicas não vão querer sair com meninas bi, por medo de traição e/ou doenças. Ao mesmo tempo, quando tentamos combater essa hipersexualização, não devemos simplesmente insistir na capacidade das pessoas bi de serem monogâmicas, pois isso pode resultar na estigmatização de quem de fato, legitimamente, prefere relações abertas ou livres etc.
Pode-nos contar como foi a sua descoberta enquanto uma mulher bissexual?
Para começar, queria comentar que esse tipo de descoberta é sempre um processo e não somente uma descoberta única. Acho que desde quando era criança, eu reconhecia que sentia atração pelos corpos das mulheres. Mas chegando na adolescência e reconhecendo que também tinha interesse em meninos, ficava na dúvida se o que eu sentia era desejo pelos corpos das mulheres ou desejo de eu ter um corpo assim como elas tinham. Não tinha ouvido falar na possibilidade da bissexualidade, então eu ficava confusa, achava que tinha que ser ou lésbica ou hétero, não entendia o que eu estava sentindo. Aí um dia quando eu tinha uns 14 anos, numa disciplina de Saúde e Educação Sexual na escola, as professoras nos falaram da Escala Kinsey, da existência de vários graus de bissexualidade entre heterossexualidade e homossexualidade (hoje em dia essa ideia é criticada, mas na época me ajudou muito). Aí foi como se uma luz acendesse, pensei “ah, agora tá explicado, sou bissexual!”. Mas depois ainda fiquei com várias dúvidas. Pensei que não podia me identificar publicamente como bissexual até eu ter alguma experiência sexual com uma menina, por exemplo. Então fiquei muitos anos sem falar com ninguém que me considerava bissexual. Hoje em dia sei que isso não importa, que é o sentimento, o afeto, o desejo que importa, e não a experiência sexual concreta. É engraçado, em geral ninguém pede para um menino que se declara gay ou hétero comprovar sua sexualidade, mas para uma pessoa bi, muitas vezes exigem provas, por causa do estereótipo da não-existência da bissexualidade.
Mais tarde, fui descobrindo outros termos, como pansexual e omnissexual. Por um lado, acho que o termo “pansexual” pode me descrever bem, pois realmente não me importa com o gênero da pessoa. Por outro, prefiro continuar me chamando de “bissexual”, para continuar contribuindo para a visibilização da bissexualidade. Também, como disse antes, “bissexual” significa coisas diferentes para pessoas diferentes, e para mim, não significa gostar de somente dois gêneros. Também, só para fazer uma provocação final, acho importante nos perguntarmos por que sempre definimos a sexualidade com base no gênero da/o parceira/o. Há tantas outras maneiras para pensar a sexualidade, as atrações, os desejos, o tipo de parceira/o que queremos!