Por onde andam as políticas e direitos para mulheres LBT?
Conheça as ações voltadas para a comunidade LGBT+
Por Roberta Nunes
Da inserção nossa como detentoras de direitos humanos até hoje são quatro décadas de caminhos, lutas, perdas e algumas conquistas. Abordar as políticas públicas e direitos que incluem mulheres lésbicas e bissexuais, cis e transgêneros, no Brasil, é olhar para a história e para um conjunto de fatores, como a trajetória política de movimentos sociais LGBT+, suas disputas e complexidades, a fragilidade da relação com o Estado, a invisibilidade de mulheres LBT neste caminho e seus esforços, e a necessidade tanto dos movimentos quanto das políticas de serem construídas com um enfoque integrado e de forma interseccional, considerando as diferenciações de gênero, classe, raça, identidade sexual, deficiência e orientação sexual, sem perder suas especificidades.
As conquistas que são comemorados atualmente existem por uma certa expertise do movimento de entender que o progresso no legislativo era um caminho árduo e sem sucesso, e a judicialização das pautas o caminho mais viável
Para compreender essa trajetória, a Revista Lésbi entrevistou Bruna Andrade Irineu (foto), presidenta da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH) e professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que em seus estudos analisou as políticas públicas para LGBT+ no período do governo Lula e contribui neste texto com seu olhar, vivência e pesquisa.
A primeira constatação é a de que ainda são poucos os avanços referentes às políticas públicas. O que pode-se compreender neste campo são os esforços de pessoas e grupos que provocam um encadeamento de ações nos últimos 40 anos, que contribuíram para a construção do que se tem hoje. Clique aqui e confira uma linha do tempo que aponta uma parcela dessa trajetória de políticas públicas até o contexto atual no governo de Bolsonaro.
As conquistas que são comemoradas atualmente existem por certa expertise do movimento em entender que o progresso no legislativo era um caminho árduo e sem sucesso, e a judicialização das pautas o caminho mais viável. “Os avanços que se têm hoje no campo de direitos, em sua maioria não foram conquistados via políticas públicas. No Brasil, o judiciário é o único lugar que tem assegurado algumas regulamentações e legislações. No legislativo, não há avanços. Não há nenhuma lei aprovada pelo legislativo brasileiro em prol da população LGBT+ e isso denuncia o congresso, demonstra o quanto ele é falho e não demonstra a representatividade do país”, ressalta Bruna.
Oito conquistas que incluem mulheres LBT
1. Criminalização da Homofobia
Em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu a favor da criminalização da homofobia e da transfobia equiparando-as juridicamente ao racismo. Desde então, o preconceito por orientação sexual passa a ser enquadrado como crime de racismo até que o Congresso aprove uma lei específica.
2 .Garantia de união estável e casamento civil
A união civil estável homoafetiva foi reconhecida em 2011 pelo STF. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça permitiu o casamento civil, assim como a conversão de uniões estáveis em casamentos civis. Apesar do avanço, essa garantia pela justiça sem a proteção de uma lei abre brechas para proibições e decretos presidenciais que sobreponham as decisões do STF.
3. Autorização de cirurgia de redesignação de sexo para transgêneros
Em 1997, a cirurgia de redesignação de sexo foi regulamentada e desde 2008 passou a ser oferecida pelo SUS. Em 2010, o processo para homens trans foi aprovado pelo Conselho Federal de Medicina e passou a ser oferecido pela rede pública, mas desde 2002 já era autorizado para mulheres trans.
4. Inclusão de nome social
O Decreto n.º 8.727 normatizou o uso do nome social pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Antes disso, em 2009, o nome social foi autorizado para ser utilizado no SUS, e, em 2013, o Governo Federal autorizou o uso no Enem.
5. Alteração de nome no Registro Civil
A alteração do nome e o registro de sexo presente no Registro Civil foi autorizada em março de 2018 por determinação do STF.
6. Garantia de Saúde Integral para Mulheres LBT
Com a criação do SUS, e a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, é garantido o acesso aos serviços de saúde de forma integral a todas as mulheres. A partir disso, busca-se a construção de um atendimento com igualdade, respeito à diversidade e a garantia do acesso universal à saúde pública. Ressalta-se que essa garantia ainda tem desafios de como existir na prática.
7. Lei Maria da Penha
Em 7 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Ela é considerada o principal instrumento legal para coibir e punir a violência doméstica praticada contra mulheres no Brasil. A lei prevê o atendimento a mulheres lésbicas e bissexuais ao incluir o termo “orientação sexual” na redação. No entanto, ainda é preciso abranger o atendimento a mulheres transgêneros, incluindo a identidade de gênero.
8. Despatologização
O termo “homossexualismo” era descrito como “desvio de transtorno sexual” no Código de Saúde do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social até 1985, ano em que se obteve uma decisão favorável do Conselho Federal de Medicina, após um longo período de uma campanha nacional pela despatologização. Para as pessoas transgêneros, algum avanço só acontece em 2019 quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) remove de sua classificação oficial de doenças, a CID-11.
Linha do Tempo
Fontes: Esta linha do tempo foi construída a partir dos trabalhos de Cleyton Feitosa Pereira, Bruna Irineu, e Alessandra Macedo de Britto.
Referências
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OLIVEIRA, Luana Farias. Quem tem medo de sapatão? Resistência lésbica à Ditadura Civil-Militar (1964-1985). 2017. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/324854754_Quem_tem_medo_de_sapatao_Resistencia_lesbica_a_Ditadura_Militar_1964-1985>. Acesso em: 15 agosto 2020.
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