Qual política nós queremos?

Em meio ao conservadorismo, as eleições 2020 apresentam uma resposta à ameaça contra o movimento: um recorde de candidaturas LGBTs, trazendo representatividade nos espaços de poder

Por Ana Luiza Gonçalves

 

Domingo, 15 de novembro, será aquele dia que se repete a cada dois anos. Já imaginamos qual o clima vai se instalar neste dia. Algumas sairão inconformadas de casa; outras apáticas, apenas exercendo a obrigação. E há também aquelas, talvez uma pequena parcela, que se sentirão invadidas por uma pequena faísca de otimismo. Pode ser que sejamos um mix disso tudo, mas, querendo ou não, em pouco menos de um mês, estaremos a caminho da zona eleitoral para decidir quem irá ocupar as vagas da Câmara e da Prefeitura das nossas cidades.

Nesta eleição, a primeira pós-Bolsonaro – eleito em 2018 -, há um recorde de candidaturas LGBTQIA+. Um mapeamento pluripartidário, ou seja, com pessoas do centro, da esquerda e da direita, feito pela ONG Aliança Nacional LGBTI+ e entidades parceiras contou com 585 adesões, sendo 15 para prefeitas e prefeitos, e 569 para vereadoras e vereadores, em que 89,1% (569) são LGBTI+ e 10,8% (63) aliadas à causa. A maioria dos candidatos são homens gays: 46,8%, representando 274 candidaturas. Em seguida, 12,6% (74) de lésbicas, 11,6% (69) de mulheres trans, 4,8% (28) de bissexuais masculinos, e o restante das demais identidades de gênero e orientações sexuais.

Segundo Toni Reis, diretor-presidente da ONG, o aumento de candidaturas LGBTQIA+ se deve a uma reação do movimento à ameaça que está acontecendo tanto no âmbito nacional quanto internacional contra a nossa comunidade, mas também a outros fatores. “O aumento de candidaturas vem pela visibilidade que tivemos dos nossos trabalhos como ativistas e militantes e conquistas no Supremo Tribunal Federal e porque as pessoas estão percebendo que podem lutar por seus direitos e é na política que vamos ganhar o debate, não é na força nem na guerra”, comenta.

Sara Azevedo foi a primeira candidata assumidamente lésbica a Deputada Federal, em 2014, e hoje disputa uma vaga na Câmara de Belo Horizonte. Filiada ao PSOL desde os 21 anos, hoje, aos 35, alerta sobre o momento de termos representantes na política. “Acredito que o movimento percebeu a necessidade de ser representado nos espaços de poder legislativo, especialmente. Estamos na fase de ampliação, que começou com Jean Wyllys e se estendeu com David Miranda e com as eleições de Erica Malunguinho, Erika Hilton e Robeyoncé”, reflete. 

Hoje, contamos com uma população de, em média, 20 milhões de LGBTQIA+ no Brasil. Mas por que ainda não conseguimos eleger representantes nos espaços de poder? Enquanto uma onda de conservadorismo cresce no Brasil, o apoio à comunidade LGBT vai também dando seus passos rumo ao crescimento. A pesquisa feita pelo Instituto Pew Research Center apontou que 67% dos brasileiros defendem que a homossexualidade seja aceita pela sociedade, porém 23% são contra. Para Sara, apesar do crescimento de apoio, a aceitação da população LGBTQIA+ continua sendo um empecilho na hora de eleger candidatos.

Somos uma comunidade?

Além da dificuldade de aceitação pela sociedade, há um consenso no que diz respeito ao movimento: somos mesmo uma comunidade? A candidata a vereadora pelo PCdoB em Irecê, interior da Bahia, Rubi Santos, 28, aponta que o movimento LGBT ainda é muito complexo. “Todas as bancadas se unem, menos a nossa. As lésbicas daqui ainda não criaram um movimento. Acabamos fazendo parcerias com os homens gays da cidade, mas eles vêm carregados de machismo e misoginia. E ainda temos o agravante de que muitas pessoas ainda não se assumiram. Eu sinto uma dificuldade enorme de tirar o movimento da internet e trazê-lo para prática”, conta.

Sara Azevedo também comenta que o movimento tem muitos problemas no ponto de vista organizativo. “Ainda não conseguimos dar um salto de organização que faça esse debate. Existem algumas ONGs, mas não de maneira extensiva como o movimento sindical, sem terra, sem teto e tantos outros que existem”, desabafa. 

Falta de investimentos

Esse ano, cada partido precisou indicar o mínimo de 30% de mulheres filiadas para concorrer ao pleito, buscando fomentar a nossa participação na política. No entanto, muitos partidos registram essas mulheres apenas para cumprirem a lei, e não investem nas candidaturas. Rubi Santos ressalta que além de não receber investimento do Fundo Partidário, muitas mulheres são “laranjas”. “Elas acabam se candidatando sem pretensão de ganhar e por se sentirem obrigadas pelo partido, marido ou família. O recurso partidário até existe, mas não somos nós as beneficiadas. Temos que ir para outras regiões e periferias e não temos carros nem ajuda de custo”, comenta.

Giorgia Prates, 42, que vai disputar as eleições pela Mandata Coletiva das Pretas em Curitiba, Paraná, pelo PT ao lado da Andreia do Parolin, 45, diz que já viu muitas pessoas fazendo campanha nas ruas, mas que ainda não recebeu nenhum material do partido e, por isso, recorreu à vaquinha online. “Estamos fazendo no boca a boca. Ainda não recebemos nada do partido. Sabemos que tem um Fundo Partidário e Fundo das Mulheres, mas não temos informação de quais seriam os valores e de quando estarão disponíveis”, conta.

Alternativas ao abandono

Sem recursos para promover uma campanha com uma estrutura necessária, Rubi Santos e a Mandata Coletiva das Pretas fazem o que conseguem. As duas contam hoje com o suporte da Tenda das Candidatas, iniciativa idealizada por Dandara Lima, Hannah Maruci, Laura Astrolabio e Marina Zilbersztejn, e recebem acompanhamento durante todo o período eleitoral.

A Tenda é um projeto voluntário, sem financiamento, que oferece formações políticas para candidatas e para quem deseja participar das eleições ativamente, ou seja, votando consciente. Com as idealizadoras, oito profissionais dão suporte às candidatas voluntariamente. Das 400 mulheres inscritas, dez foram selecionadas, por meio de entrevista, em que questões como raça, orientação sexual e representatividade regional foram critérios para receber atendimento.

Hannah Maruci pontua que nós mulheres somos 52% da população e as mulheres negras representam 28% e, devido a esses números, esse eleitorado é capaz de mudar a composição dos nossos representantes. Por isso há um investimento em formação na Tenda, que entre as ações, oferece aulões online e gratuito pelo YouTube. Nomes como Djamila Ribeiro, Ana Claudino, Julia Rocha e Débora Baldin já passaram por lá, trabalhando temas como racismo, diversidade, SUS e redes sociais. “Essa atividade é aberta para quem se inscrever, com foco em formação política, que caminha no sentido de educar o eleitorado ao mesmo tempo que traz visibilidade para essas candidaturas”, diz.

Qual política nós queremos?

As eleições 2020 vêm com uma grande importância, pois se apresentam em meio a um grande retrocesso, pós-Bolsonaro, mas que, em contrapartida, têm o maior número de candidatos LGBTs e de mulheres negras. Pensando nisso, perguntamos a algumas candidatas lésbicas e bissexuais qual política nós queremos. Confira as respostas.

 

Sara Azevedo, Psol, BH/MG

“A gente precisa vencer o conservadorismo que foi instaurado não só a partir, mas que teve grande crescimento com o vitória do Bolsonaro. Eu penso num futuro que a gente consiga derrotar a extrema direita que vem estabelecendo no país. A gente só vai conseguir avançar no ponto de vista de organização se pensarmos novos modelos e o que é preciso fazer para avançar na transformação da sociedade. Eu acredito que somente por meio da educação será possível. E como professora, mulher lésbica, penso numa educação que seja inclusiva, diversa, plural, acolhedora, para todas essas demandas que nós temos na sociedade”.

Mandata Coletiva das Pretas, PT, Curitiba, PR

“Uma política que seja plural, inclusiva, que respeite os direitos humanos e que seja voltada para a população mais vulnerável. A política que queremos não é a que está posta”.

Iza Lourença, Psol, BH, MG

“Queremos uma política radicalmente diferente da que está ai. Na Câmara Municipal de Belo Horizonte 41 vereadores decidem os rumos da cidade. Na atual legislatura são apenas quatro mulheres, nenhuma pessoa negra e uma mulher lésbica. O mais importante é perceber que isso não é um acaso, mas a representação de um programa e de um projeto político conservador e desigual. Quem ganha com esta lógica é uma minoria milionária, beneficiada pelas desigualdades do nosso país. Milionários que oprimem e lucram em cima da precarização do trabalho de mulheres lésbicas, bi, trans…  Belo Horizonte tem dinheiro para garantir uma renda mínima para a população, construir casas abrigo para mulheres e pessoas LGBT em situação de violência e vulnerabilidade. Mas para isso acontecer, é preciso inverter a lógica pela qual a política opera. É preciso fazer política para a diversidade do nosso povo. Juntes somos a maioria da população. Precisamos construir a cidade para os 99% que fazem a sociedade funcionar e não para os 1% que promovem a desigualdade social”.

Kênia Ribeiro, Psol, BH/MG

“Se eleita, o meu trabalho estará voltado, com exclusividade, em proteção e melhoria de vida  dos negros, camelôs, indígenas, periféricos, LGBTIQs e aqueles que sofrem com a política que hoje é adotada, de exclusão social, homofóbica, de violência contra os moradores e com as mulheres. As nossas ações estarão sempre voltadas para permitir que os menos favorecidos, em todos os setores da nossa sociedade, possam sair da situação de desigualdade e abandono na qual foram colocados por governos fascistas, homofóbicos e falsos liberais, que só se preocupam com os seus próprios ganhos financeiros”.

Marina Campos, Psol, São João Del Rei/MG

“Lutamos por uma política que valorize a vida acima de qualquer lucro. Que cuide das pessoas e da natureza. Lutamos para que a política tenha espaços de acolhimento, escuta e participação das trabalhadoras e dos trabalhadores. Que tenha participação ativa da população negra, de quem mora nas periferias. das mulheres, crianças, juventudes, pessoas LGBTQIA+, dos povos e comunidades tradicionais, das agricultoras e agricultores. Nossa luta é ao lado das professoras, profissionais do SUS, galera das artes e da cultura.

Para que esse futuro seja possível é fundamental  nossa auto-organização e nos mantermos sempre em movimento a partir de nossas identidades e territórios. Enquanto mulher trabalhadora, lésbica, feminista e antirracista, a luta cotidiana com outras mulheres é o que me dá sentido e força para ocupar a política. Vivemos em um momento em que nossa maior tarefa política tem sido a sobrevivência nesse sistema que tem nos massacrado com suas políticas de ódio representadas hoje pelo bolsonarismo. Queremos para nosso futuro conseguir derrotar esse conservadorismo que controla nossas vidas e corpos, e seguir defendendo a construção de uma sociedade justa e igualitária. Colocamos nossas lutas coletivas na construção desses sonhos. Por isso nossa chamada é SÓ A LUTA COLETIVA MUDA A VIDA”.

Amanda Gondim, Partido Democrático Trabalhista, Uberlândia/MG

“Mulheres lésbicas na política são ainda mais hostilizadas que outros recortes do movimento LGBT e feminista, justamente pela carga de violência direcionada não só pelo machismo como também pela orientação sexual, frutos de uma misoginia que recai sobre nós com maior intensidade e nos torna invisíveis nos espaços públicos decisórios. Nós queremos políticas públicas que considerem nossas demandas, políticas de saúde da mulher lésbica, que contemplem de maneira transversal nossas vivências dentro da sociedade. Ao nos posicionarmos publicamente como mulheres lésbicas no espaço do debate político público e institucional, um alvo ainda maior é colocado em nossas costas. Sabemos da perseguição que sofrem as mulheres lésbicas nos espaços de poder. Quanto mais violento esse espaço mais se mostra a necessidade de resistirmos e estarmos presentes ocupando de modo ativo as discussões e ações que contemplem políticas públicas para mulheres lésbicas na cidade. O direito à cidade é compreendermos o espaço urbano como produção, ocupação, uso e vivências das multiplicidades do ser humano, nós fazemos parte da gama de diversidades e as cidades precisam ser planejadas para mulheres, e neste entendimento, contemplar os diversos recortes sociais existentes, entre eles, nossa sexualidade”.

Brisa Bracchi, PT, Natal/RN

“Disputo hoje uma vaga na Câmara Municipal para tentar levar para esse espaço vozes que há muito tempo já ocupam as ruas, que resistem diariamente contra esse sistema opressor, patriarcal, heteronormativo. Que a gente possa construir uma nova cultura política, em que a política seja construída com participação, representatividade, com cada um e cada uma podendo falar das dores que sentem e qual o novo mundo e a nova cidade que a gente almeja construir. Uma política que sirva para garantia dos nossos direitos e da justiça social, para a construção de um mundo e de uma cidade com mais liberdade e para ter liberdade, a gente precisa ter segurança, oportunidade, direitos, educação e saúde. para a gente construir um futuro que seja feliz, a gente precisa de creche, de educação infantil com qualidade, de um sistema público de transporte que funcione. Para pautar questões do cotidiano, a gente disputa o espaço de representação institucional da política, que deveria sempre nos representar, mas, infelizmente, até hoje reproduz as antigas oligarquias conservadoras e reforçam essa política facista e de ameaça aos nossos direitos. É para derrotar também o Bolsonarismo das nossas cidades que a gente se propõe esse desafio”. 

Natália Granato, Psol, BH/MG

“Nossa política tem que ser pautada na classe trabalhadora. Os governos e capitalistas passam a conta da crise para os trabalhadores a fim de garantir seus lucros à custa de nossas vidas. Nesses momentos, a juventude, mulheres, negros e LGBTs são as maiores vítimas, por isso precisamos gritar que nossas vidas importam! Nesse sentido, não é possível perspectivarmos um futuro para os LGBTs trabalhadores sem pautar a taxação das grandes fortunas e, principalmente, a suspensão da Dívida Pública, um mecanismo criminoso para não investir nas áreas sociais, o que inclui a criação de políticas públicas e proteção para os LGBTs. A política que queremos é uma política que derrote a extrema direita e suas ideias nefastas que nos matam dia após dia: para isso, é fundamental que tenhamos um programa radical, verdadeiramente de esquerda, pensando saídas anticapitalistas como as que eu citei, com educação sexual e antirracista nas escolas, aborto legal, seguro e gratuito, garantia de saúde e educação para os LGBTs trabalhadores e filhos da classe trabalhadora”.

Daiana Santos, PCdoB, Porto Alegre/RS

Uma política que fale de nós e que seja feita por nós e não por oportunistas que se colocam à disposição e levantam as nossas bandeiras só quando convém. Precisamos estar atentos a estes, pois são os mais perigosos. Onde o nosso silenciamento não seja mais usado de forma perversa como prática de manutenção de poder. E que nossos corpos não sejam invadidos com a violência e a violação cotidiana. Política se discute e nós somos sujeitos políticos ativos, atuantes e muito potentes quando nos calam a voz derramando o nosso sangue é por quê sabem disso. Para que haja a mudança real e o reconhecimento das nossas múltiplas e diversas formas de viver e amar temos que ocupar os espaços de poder e decisão. Luto por uma política com representatividade e voz, com a cara do povo, que seja plural, inclusiva, não capacitista, feminista, antirracista e destrua a raiz das “fobia”, incluindo a lesbofobia e tudo isso tendo como base os processos educacionais, com a garantia dos direitos, do estado laico e do acesso a informações, sem censura.

Bella Gonçalves, Psol, BH/MG

Nós queremos uma política pautada pelo amor, pelo respeito e pelo combate às desiguldades.

Para que todas as pessoas tenham seus direitos garantidos e tenham voz nos espaços de poder que decidem sobre suas vidas. Nós, mulheres lésbicas, pessoas LGBTQI+, pessoas negras e negros, indígenas e quilombolas e outras comunidades que são tratadas como minorias mas constituem a maioria social do país. Que ninguém além de nós fale por nós!

Queremos construir uma cidade para todos e todas e acreditamos que não há outro caminho para isso se não for através do combate ao racismo estrutural e da construção de uma política pelo cuidado e pela defesa dos direitos humanos.